Me curar, cura o meu entorno, onde eu piso coisas morrem e (re)nascem
- Walleska Santiago
- 20 de abr.
- 3 min de leitura
Atualizado: 21 de abr.
Não caber na fantasia costurada pra você te tira de locais e até do que juramos ser o amor. Venho agora começar a falar sobre amores vivos – é muito mais difícil!
Vamos lá, somos desejados ou somos um acaso que surge? Não sei! Só sei que eu nasci e as expectativas sobre mim foram se revelando. Fui amada de forma distinta, intensa, promissora, acolhedora, vazia, surrada, punitiva e fria. Talvez algum adjetivo não se encaixe com o outro, mas a vida é assim, encaixa e desencaixa mesmo. Onde então fica o sentido? Creio que apenas no que sentimos. Por isso os bebês sempre acertam: eles só sentem e confiam no que sentem.
Mas bom, existe algo de revelador em ser quem se é e eu faço isso desde muito nova. Perdi o amor de pessoas que eu me importei e amei, genuinamente. Decepcionei o mesmo tanto que cresci e continuei sendo eu, apesar de. E, no meio desse crescimento fui cabendo e deixando de caber nas fantasias costuradas pra mim. Era como uma negociação, para ter isso você precisa ser quem eu quero que você seja. Precisei ter muita força para agradecer e me despir delas. As fantasias não eram minhas, mas eram o papel perfeito para mim. Fiz teatro por muitos anos e aprendi a interpretar papeis, que me cabiam ou não. Mas na vida é cansativo!
Meu pai tinha uma fantasia costurada para mim e em troca eu teria coisas.Já minha mãe, tinha uma outra e em troca eu teria uma - suposta - vida em minhas mãos. Mas na verdade, eu iria apenas continuar a vida deles, um sem se saber e com isso poder ser quem é e a outra presa numa autossuficiência inalcançável. Não saber quem sou ou performar ser até demais?
Medo. O medo rondava e por isso eu fui tão corajosa. Eu só conseguia pensar: eu só não posso decepcionar quem eu sou e quem eu quero ser. E misturei tudo: medo de não saber quem eu sou e com isso não conseguir ser eu e usei a autossuficiência como ponte para sair desse lugar. Medo de ser autossuficiente demais e não conseguir ser eu em coletivo e usei o não saber quem eu sou como ponte para sair desse lugar. Passei por muitas coisas, olhava algumas delas e pensava “droga, a fantasia de outra pessoa cairia bem aqui e eu não teria passado por isso!”.
Coragem. E eu fui, meti as caras, pois eu sabia o que me esperava, era só olhar, eu olhei para mim mesma e pensei: isso termina aqui, comigo! Não foi fácil, não é fácil, é difícil, é duro, é prazeroso, é acalentador, é conquistado. Tem um sabor diferente degustar a gente nas conquistas. Nossas coisas são nossas e dai o privilegio de usufruir mesmo estando em grupo para conseguir se ver. Mais ainda e crescer mais, conquistar com mais coerência.
O amor dos meus pais me causou alguns danos, me deu vida em muitos locais e me fez ser quem eu me esforcei para ser. Não por mal, mas por saber que existia mais do que isso, por saber que só eu me levaria para onde eu queria chegar. E eu cheguei! Eles sendo quem foram me deram forças, mesmo sem eu entender bem, mesmo eu tendo que sentir tanto, mesmo sem querer assumir, porque é mais fácil quando os pais fazem pela gente ou traçam nosso destino. Temos a quem culpar, temos nossa visão sobre a gente intacta e irreal. A eles, que me amaram como puderam, com o que tinham, bom ou ruim. A eles, que me permitiram estar em construção, construindo minhas próprias ferramentas e tecendo meu próprio manual.
A vida realmente presta se a gente fizer algo do que restou, nos contornos dos vazios. Os vazios não querem ser preenchidos, eles querem ser visto e assumidos. Para dai então, a gente começar a enfeitar a borda dele com nossa vida, a nossa cara, como um aviso: aqui já existe algo, é o meu vazio e eu não quero colocar nada no lugar dele, eu o amo. É tempo de perceber que as ferramentas montadas por mim não beneficiam só a mim. Elas também iluminam as pegadas de quem veio antes. É como um presente, de e para toda uma linhagem, se não, não teria graça.
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