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Posso parecer andar sozinha, mas nunca estou só

  • Foto do escritor: Walleska Santiago
    Walleska Santiago
  • 11 de mar.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 11 de mar.

Esses últimos tempos vieram me mostrando que temos que nos permitir e estar aberto pra receber o que tanto dissemos querer. A gente chega nos locais, mas, mais do que chegar, nós temos que estar preparados também para viver o que pedimos. Se não, vira um fardo, que nem as coisas que não eram para serem nossas. E a gente sente o peso.


Posso parecer andar sozinha, mas nunca estou só. Achei simbólico um texto pós dia da mulher ser tão sobre minha avó. Mesmo sem intenção, como quase tudo que eu faço, apesar de ter muita, porque eu intenciono quase tudo o que vivo – hoje, poucos passos meus não são intencionados a quem sou, ao que o que quero ou ao que faz sentido. E isso aprendi com ela. Uma grande mulher apesar de pequena. Minha avó deveria ter 1,55, era uma mulher pequena, de cabelos lisos e brancos, olhos meio claros, uma pele enrugada e um tanto queimada de sol, mas enorme em quem era. As últimas lembranças que tenho, ela já era frágil, calada, gentil e falava com os olhos, tirando o frágil, ela sempre foi assim. Dona Maria esqueceu de todo mundo, menos de mim. “Walleska”, ela disse meu nome, lucidamente, com um sorriso no rosto em meio a um sintoma: perda de memoria.


Minha avó tecia fios, vida, sabores, temperos, cheiros, soluções e cura. Calada, em seus birros, os pontos eram marcados por um espinho entrando. Mas não era qualquer espinho, até eles eram selecionados, ajeitados, cuidados e só ai utilizados. Grandes e fortes, com uma cabeça de flor, para entrar profundo e segurar bem o peso da linha e do birro, não só isso, para segurar também o desfazer, caso precise, sem desmanchar tudo. Essa foi uma lição preciosa!


Ela me amava com comida, com cheiro, com curas e com uma tentativa de me deixar viver. “Cadê a Walleska? Como pode uma menina sumir dentro de casa? Walleska? Walleská? Walleska?” Ela não me queria pra nada, só para me ter em vista. Já devia saber que eu tinha que a observar muito. Eu aparecia. “Essa menina faz até chover, se ela quiser. Fique aqui, minha filha, com sua avó. Que eu vou comprar depois o pão que você gosta, qual é mesmo ele?”. E eu ficava, desembestava a falar sobre o pão, sobre a fermentação, sobre a geleia que ia por cima, que era dos deuses!! Era um pão diferente, ela sabia exatamente a hora e o dia que a padaria, perto do trilho, fazia o fazia. Não só disso, tínhamos dia, hora e jeito para fazer tantas outras coisas que eram só nossa. Eu ainda não havia reparado que ela prestava atenção aos detalhes e sem alarde, fazia tudo em cima deles. Ainda bem que a observei. Prestei atenção. Os detalhes mantinham a casa de pé, os birros por hobby feitos, a neta ao lado. A compunham e me compuseram também.


Não que tudo seja só flores quando for pra ser, essa utopia é uma fantasia que foi comprada por ser bonita e pregada por ai por ser fácil de aceitar. Quando for nosso, quando estivermos vivendo também o que pedimos, haverá medo, haverá duvida, haverá problemas. Isso não para de existir, viver é isso também, mas a gente criou a expectativa de que não. Espera-se que uma hora ou outra as coisas fiquem totalmente lineares, apenas floridas, só paz - doce ilusão. A vida que queremos fala mais sobre raízes do que sobre as flores enfeitando o caminho. É uma mistura sabe, raiz crescendo pra baixo, as flores apontado em cima. E, se a gente não sabe ser feliz nas raízes aterrando, rasgando a terra e abrindo caminho, as flores vão perdendo o valor. É só a partir da dor de criar o seu espaço pra ser, que as flores ficam mais bonitas quando brotam, vale mais a pena, sabe, florir.


Chegou o dia e eu atendi o telefone, a noticia correu por mim primeiro - nada mais justo do que ser a primeira a ser lembrada nessa hora também. Senti na minhas veias, na pele, no meu corpo inteiro a dor da sua ida. Minha avó se foi, preciso agora olhar pro mundo e colocar nele tudo que aprendi.

Os olhos infantis e criativos que sempre viam oportunidade se misturaram com os olhos que já haviam visto muitas coisas e precisava ver as coisas mais de perto. Atenta. Aos detalhes principalmente, eu fui caminhar. E que estrada. E sempre que me vejo pensando em como aquilo não deveria estar aqui ou como outra combinação deveria ser melhor, me lembro dela me dizer: “minha filha, não existe nada que a gente não consiga no temperar dar um jeito. Se errou a mão nisso, coloca mais daquilo pra diminuir o sabor, vai testando.” Enquanto ia fazendo tudo calmamente com suas mãos enrugadas mostrando que o tempo e o acentuar que davam o tom.


Com carinho, minha avó, que me amou de uma maneira tão calma e sabia quando eu a via após o banho penteando seus cabelos brancos sentada no quintal, que, com as portas todas abertas fazia um caminho reto que via até a entrada da casa. Com esse mesmo amor, minha vó, eu a honro, por ter sido a matriarca da família. Ter sido forte e imensa, calma e doce. Sua voz suave e seu sorriso só esticando a boca estão em mim. Com esse mesmo amor que fui amada, tão amada, Walleska Santiago.

 
 
 

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